DELENDA GOVERNO
Bonfim Salgado
O processo eleitoral versão 2010 foi encerrado? Parece que não. Tudo indica que, por várias circunstâncias, ele continua em curso, trazendo-nos acontecimentos inusitados e aquele conhecido e inconfundível clima de palanque.
A história recente do Estado do Amapá, sabe-o toda a gente, deverá ser severa e implacável com os dois últimos governos – Waldez Góes e Pedro Paulo Dias de Carvalho – cujas ações administrativas e políticas em oito anos de gestão, praticamente confundiram-se com suas atitudes e interesses pessoais. Os fatos, normais e compreensíveis uns, absurdos e injustificáveis outros, como as incursões e prisões dos principais mandatários estaduais na Operação Mãos Limpas da Polícia Federal, estão aí à espera de análise mais acurada dos sociólogos e historiadores.
Diz a História que, nas sessões do Senado Romano, o grande Cícero, sobraçando oratória inigualável e a sabedoria que o distinguiu dos seus pares, apreciava a frase conhecidíssima que chegou aos nossos dias: Delenda Cartago. Na tradução direta e literal: É preciso destruir Cartago. No Estado do Amapá, em pleno século 21, essa expressão – quem diria! - renasceu das cinzas por obra e graça dos embates políticos.À toque de tambor, a raivosa oposição repete em coro:”É preciso destruir o governo.”
Ora, considerando que, há décadas, a política amapaense absorveu a característica de disputa entre “famílias”, fato mais notório desde o governo Barcellos, não seria novidade que, a cada troca de guarda, ou seja, a cada ascensão de um novo governante, seus adversários – derrotados nas urnas – lancem sobre ele as sete maldições do Bode Expiatório judeu, naqueles tempos bíblicos.
Outro fator a levar em conta diz respeito aos problemas sócio-econômicos, estruturais e infraestruturais do Estado, muitos deles iniciados no primeiro governo de Janary Nunes, nos idos de 1947. Problemas que atravessaram décadas desafiando a argúcia e capacidade dos gestores da coisa pública, coroando de êxitos e elogios algumas administrações e reduzindo as chances positivas da maioria delas na aprovação popular.
Para que se tenha uma idéia a mais fiel e aproximada possível do quanto essa política de “famílias” tem emperrado o pleno desenvolvimento do Amapá, é suficiente estabelecer simples comparações de dados sócio-econômicos, recém divulgados pelo IBGE, colocando o Estado do Amapá frente às demais unidades federativas da Amazônia Legal. Para não ir longe, pode-se verificar os níveis de desenvolvimento do Acre, Rondônia e Roraima, mais perto de nós e, por isso mesmo, possuidores de características e dificuldades iguais em todos os setores que se queira pesquisar e comparar.
Na verdade, foge ao objetivo dessa exposição repetir os números de IDH e outros instrumentos de aferição semelhantes. Aqui, não se costuma prestar a atenção devida às estatísticas. Antes, necessita-se saber qual partido político estará dominando o processo eleitoral e qual ou quais os candidatos – A, B ou C – podem levar a melhor na corrida. No caso e quase sempre, nem mesmo as mensagens, propósitos e ideais dos candidatos são levados a sério. Prevalece uma espécie de bipartidarismo familiar, isto é, a família no poder e na situação, pode transformar-se, num passe de mágica, na família fora do poder e na oposição. Evidentemente, cada qual levando consigo seus partidários, dentro e fora do governo. Assim tem sido.
O cenário atual assinala que o governador Camilo Capiberibe (PSB), malgrado sua vontade de estabelecer a pacificação dos ânimos, a fim de levar avante seu projeto, precisa usar a caneta e tomar medidas duras. Suas recentes decisões, uma delas a concessão dos famosos 3% de reposição salarial ao funcionalismo estadual, esbarraram no barril de pólvora do ineficiente plano de metas de seus antecessores. Os governos passados desprezaram e fizeram pouco caso dos arrochos salariais do funcionalismo, colocando para debaixo do tapete reposições salariais que, pelas circunstâncias, poderiam ter sido concedidas normalmente e acima dos índices inflacionários, sem que ninguém se atrevesse a dizer que o Estado do Amapá entraria em falência financeira.
Hoje, sob pressão dos grupos sindicais e das federações de trabalhadores, o governo do Estado aferra-se à justificação mais conveniente, mas nem sempre entendida em toda a sua importância: foi o aumento salarial possível, considerando a pesada herança de dívidas herdadas e o passivo financeiro consolidado que o Estado tem que honrar, faça chuva ou faça sol. Essa é a realidade.
Aliás, qual seria o melhor mote negativo a ser jogado sobre a administração estadual? Aquele velho esquema de cobrar do atual governador tudo aquilo que o antecessor não fez. Cobrar, inclusive agitando bandeiras nas praças, exigindo rapidez nas ações, como se os problemas – alguns muito sérios nas áreas da Saúde, Educação e Segurança Pública, por exemplo – pudessem ser resolvidos do dia para a noite. Mas, lamentável é constatar que, por conveniência e tradicional hipocrisia, quem fica na oposição política sempre esquece que ainda somos um Estado pobre, carente de infraestrutura geral e dependemos do bom-humor e favores da União.
Governar é uma arte difícil, já afirmavam os gregos no chamado “Século de Péricles.” Camilo Capiberibe, esse jovem idealista elevado à categoria de condutor dos nossos sonhos de um Amapá grandioso, não deverá esquecer uma verdade: manter seus olhos acima dos horizontes, não deixar-se contaminar pelas picuínhas políticas e tentar fazer – com determinação e sabedoria - tudo aquilo que os demais governantes nunca fizeram. Outra hora, voltaremos ao tema.
Um comentário:
Belo texto, caro Bonfa. Considero esta cultura politico-familiar natural. Sempre teremos uma familia dominadora dependendo da liderança que está disputando o poder. Isso acontecerá sempre, até que encontremos um "desfamiliado político", que não tenha tão enraizada a cultura de envolvimento de sua família em suas ações. Serão Capiberibes, Góes, Silvas, Salgados, Souzas, Torks, e muitos outros desde que um de seus integrantes se destaque no meio político. Isso se agrava no Amapá pelo simples fato deste estado ser novo, onde todos conhecem ou já ouviram falar de um sobrenome. Duvido por exemplo, que em Estados como Rio, o Governador Sérgio Cabral não tenha seus familiares envolvidos, talvez em menor proporção, talvez em maior. Em um estado com poder familiar ainda muito presente, como o nosso, dificilmente uma família não se envolverá nos rumos que a vida de um de seus integrantes toma. Mas isso há de mudar com o tempo.
Com relação a nosso Governador, espero dele simplesmente que siga sua cabeça, seus conhecimentos e suas vontades, conhecidas em parte por mim, para que leve o Amapá no rumo do desenvolvimento, estrutural, humano, cultural, em todos os sentidos.
Um grande abraço.
George Arnaud Tork
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