quarta-feira, 29 de junho de 2011

TRIBUTO A UM GUERREIRO

                      
                        Política
                       (29/06/11)


                      Demóstenes Torres (*)
Grande parte dos jovens que estão ingressando agora na universidade perdeu no fim de semana o responsável por essa conquista, Paulo Renato Souza. Como ministro da Educação nos mandatos de Fernando Henrique Cardoso, Paulo Renato foi eficiente nas duas pontas, ao cuidar das crianças que começam a busca pelo conhecimento e ampliar as vagas no terceiro grau para quem atravessa o funil – alargado por ele.
Assim, o Brasil agradece a esse grande benfeitor da humanidade, que um dia será reconhecido inclusive nos livros escolares.
Ele próprio, avesso ao pavoneamento, seria contra. Jamais estamparia no material dos alunos qualquer louvação a governo ou seus integrantes, muito menos o festival de aberrações ora imposto.
O que se viu, após sua saída, foi a instrumentalização do ministério a ponto de as obras distribuídas pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação bajularem o presidente da República e exibirem cartazes de seus feitos.
Paulo Renato dedicou-se à entrada da criança na escola, oferecendo oportunidade para nenhuma ficar fora da sala de aula, e à qualidade do que ela receberia durante os estudos. Era do que mais se orgulhava, de apresentar a chance a todo pai de ter uma carteira escolar à disposição do filho.
Para acabar com a antiga política segundo a qual “o governo finge que paga, alguns fingem que ensinam e o aluno finge que aprende”, criou os mecanismos de aferição. Os exames de desempenho confeririam o que o estudante aprendeu, não sua capacidade de organizar passeatas e registrar ONGs.
O Sistema de Avaliação da Educação Básica funcionou como balizador de investimentos pessoais e de estrutura, tanto os que estavam sendo aplicados quanto os que serviriam aos novatos.
O Exame Nacional de Cursos teve tamanho êxito que nem com seus detratores assumindo o poder apareceu coragem para extingui-lo – mudaram o nome, estabeleceram a doutrinação, mas rejeitaram a desfaçatez de o deletar. O motivo é simples: além de inovador, o Provão passou no teste da eficiência. As notícias ruins surgiriam depois, com o agora desmoralizado Enem.
O balanço macro de sua gestão aponta para um sucesso estrondoso. Traduzindo os números, as matrículas em todas as fases cresceram ano a ano, reduziu o analfabetismo, premiou o mérito, valorizou o professor, agigantou o fundamental.
A universidade chegou aos rincões. Os profissionais da Educação tiveram acesso à licenciatura. Um dos efeitos da formação superior de quem ensina é melhorar o currículo de quem capta. Foi providencial.
O Brasil vivia o início da estabilidade econômica, do acolhimento à tecnologia, da prosperidade advinda com o Plano Real. Itamar Franco e FHC prepararam o Brasil para o desenvolvimento, Paulo Renato preparou os jovens para o mercado aberto por ele.
O que o Brasil colhe hoje em Educação, da inclusiva à profissional, do fundamental ao superior, do rio Ailã ao Chuí, do matutino ao noturno, é atributo da política pública do lavrador que a semeou: Paulo Renato Souza. Chegou como operário da ruína, saiu como engenheiro de magnífica obra.
É merecedor de todas as homenagens e a maior delas colheu em vida a cada criança que punha o pé na escola pela primeira vez, a cada cerimônia de colação de grau, a cada pesquisador que abria um flanco.
Muito obrigado, Paulo Renato, por tornar o Brasil melhor e mais inteligente. Deixa um país saudoso e que, a cada matrícula, se mostra grato. 
(*) Demóstenes Torres é procurador de Justiça e senador (DEM/GO) 

domingo, 26 de junho de 2011

LADRÕES CAEM NA TEIA

                Num momento em que assistimos, estarrecidos, dezenas de Operações da Polícia Federal, em todo o País, dando voz de prisão a prefeitos, vices, membros das Câmaras de Vereadores e outros representantes do Executivo, Legislativo e até do Judiciário, nos perguntamos: o que está acontecendo com o Brasil?
                O artigo abaixo - de autoria do respeitado jornalista Gaudêncio Torquato - dá-nos uma idéia bastante aproximada dessa vexatória e inconveniente situação. Os avanços ao erário, a descarada e cada vez mais evidente cultura do roubo, parece ser a tônica, exceções ressalvadas, dos modernos administradores da coisa pública. (BS)

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                       Presos na teia de aranha

                            26 de junho de 2011
                            O Estado de S.Paulo

                                       Gaudêncio Torquato (*)
Vamos ao teste: trata-se de um país que, em poucos dias, registrou nos anais de sua História o seguinte pacote de ilícitos: extorsão contra empresas, fraudes em contratos públicos, falsidade ideológica, abuso sexual de crianças e adolescentes, ocultação de bens, formação de quadrilha, superfaturamento de licitações, enriquecimento ilícito e tráfico de drogas. Uma pista: os indiciados não são pessoas comuns, mas figuras que cumprem a missão de bem servir à comunidade; são autoridades públicas que fizeram o juramento de cumprir a lei, defender valores éticos e morais e dar bom exemplo. Adivinharam onde essa turma se abriga? Não é a Somália, país africano considerado o mais corrupto do mundo. O buraco da corrupção é aqui mesmo, nestas plagas que a ONG Transparência Internacional joga na 69.ª posição entre os países menos corruptos do planeta. Nota do pé do parágrafo: o ranking da criminalidade envolve prefeitos, vice-prefeitos, vereadores e outras autoridades de diversos Estados brasileiros.
Nunca se viu fila tão extensa de representantes do poder público receber voz de prisão em um único mês, este em curso. Um rápido olhar na galeria flagra, por exemplo, os prefeitos de Abre Campo (MG), de Novas Russas (CE) e de Senador Pompeu (CE), o ex-prefeito de Mirassol (SP), o vice-prefeito de Embu-Guaçu (SP), o prefeito e alguns vereadores de Dom Aquino (MT), o prefeito de Taubaté (SP) e a esposa, o vice-prefeito de Campinas (SP) e a primeira-dama. O desfile de alcaides por corredores do xilindró desperta animação, pela aparente inferência no campo da moral, eis que a máxima de Anacaris, um dos sete sábios da Grécia, começa a ser reescrita por aqui: "As leis são como as teias de aranha, os pequenos insetos prendem-se nelas e os grandes rasgam-nas sem custo". Os nossos grandes agora enfrentam um alto custo. De fato, a moralização de costumes na condução da coisa pública ganha faróis acesos dos órgãos de fiscalização, entre os quais o Ministério Público (MP), o Tribunal de Contas da União e os Tribunais de Contas dos Estados. A questão suscita a dúvida: se o sistema de controles é apurado, por que ocorrem tantas ilicitudes na administração pública?
É oportuno lembrar que a administração abriga uma teia gigantesca de programas e serviços que começam na base do edifício público, constituída por 5.564 municípios, entra pelo segundo andar, onde estão os 27 entes estaduais, chegando ao piso mais alto, dominado pela maior das estruturas, a federal. E esta se espraia por todos os espaços, imbricando-se com outras malhas, formando interesses múltiplos e incorporando parcerias da esfera privada. Identifica-se, aqui, o que Roger-Gérard Schwartzenberg cognomina de o novo triângulo do poder nas democracias, que junta o poder político, a administração (os gestores públicos) e os círculos de negócios. Essas três hierarquias, agindo de forma circular, cruzando-se, recortando-se, interpenetrando-se, passam a tomar decisões que se afastam das expectativas do eleitor. A cobiça dos parceiros - gestores, empreendedores privados e núcleos políticos das três instâncias federativas - dita nova ordem no campo da administração.
Não é fácil separar o joio do trigo e perceber as tênues linhas que distinguem o bem comum do bem privado. A percepção é nítida diante de exageros como casos de superfaturamento, vícios de licitações, apropriação escancarada da coisa pública e flagrantes de ilícitos, por meio de gravações autorizadas pela Justiça. Pode-se aduzir, portanto, que a lupa dos órgãos de controle ajusta mais o foco nessa planilha. Há a considerar, ademais, que os descaminhos na estrada pública têm sido alargados pela evolução das técnicas. A ladroagem, hoje, é embalada por um celofane tecnológico de alta sofisticação, diferente dos costumes da Primeira República, quando a eleição do Executivo municipal assumiu relevo prático. Naquele tempo, o lema da prefeitada era: "Aos amigos pão, aos inimigos pau". O Brasil da atualidade sobe degraus na escada asséptica, apesar das camadas de sujeira que ainda entopem canais da administração pública. O MP acendeu luzes sobre os esconderijos e parece movido por entusiasmo cívico, haja vista a disposição com que se aferra à missão de proteger o patrimônio público e social.
A tarefa de impedir que a teia de aranha seja rasgada pelos grandes exige mais transparência de todas as estruturas públicas. Programas, ações, prazos e recursos devem ser amplamente divulgados. Seria útil que as comunidades acompanhassem de perto o fluxo das obras municipais, a partir de sua descrição em painéis afixados em praças públicas. Entidades do terceiro setor, muitas representando visões e demandas de grupos, poderão colaborar exigindo maior rigor. O fechamento das comportas da ilicitude seria completado por decisões mais ágeis da Justiça. Eis aí um dos impasses. Por ausência de punição ou por saberem que seus processos se esfumarão na névoa do tempo, indiciados continuarão a romper os limites do império normativo. Urge iluminar a escuridão dos porões do poder.
Aos prefeitos do interiorzão, um conselho: façam mais que calçamento e aterro, fontes de corrupção, como explicava, nos anos de chumbo, Drayton Nejaim, que foi deputado pela Arena e prefeito de Caruaru (PE), ao presidente de seu partido, Francelino Pereira: "Fui prefeito da UDN, me acusaram de roubo e eu saí pobre. Foi um sofrimento me eleger deputado e, depois, a minha mulher. Política se faz com muito dinheiro. Vou ser prefeito e sair rico da prefeitura".
Francelino quis saber o truque. Resposta: "Roubando muito". Ante a confissão escandalosa, o interlocutor reagiu, afirmando que o partido jamais iria admitir o crime. Nejaim não deixou por menos: "Não vai haver escândalo, presidente. Farei uma receita perfeita. Calçamento e aterro. Ninguém conta nem fiscaliza calçamento e aterro".
Reelegeu-se. Para fazer o que prometeu.

(*) JORNALISTA, É PROFESSOR TITULAR DA USP E CONSULTOR POLÍTICO E DE COMUNICAÇÃO TWITTER: @GAUDTORQUATO




terça-feira, 21 de junho de 2011

JORNALISTAS SÃO NECESSÁRIOS NO MUNDO

                          
                          

Enviado por luisnassif
 (21/06/2011)

Do deutschewelle.com


O jornalismo está mudando. As redes sociais se tornam cada vez mais importantes. Mas os usuários do Facebook e blogueiros não podem substituir jornalistas profissionais, diz o especialista em mídia Joel Simon. 
Às vésperas do Global Media Forum, a se realizar em Bonn entre 20 e 22/06, a Deutsche Welle conversou com Joel Simon, o diretor-executivo do Comitê de Proteção aos Jornalistas (CPJ) – organização internacional representada este ano na conferência em Bonn, cujo tema principal é "Direitos humanos e globalização: um desafio para a mídia".

Deutsche Welle: Joel Simon, qual é a sua definição de jornalista?

Joel Simon: Os jornalistas existem para colher e disseminar informação de relevância para a população. Há jornalistas profissionais que fazem isso, e há pessoas que fazem isso como cidadãos. Isso vai se modificando com o tempo.
As novas tecnologias garantiram que nos dias de hoje existam um número nunca visto de jornalistas cidadãos. Na Alemanha, o jornalismo não é profissão para a qual se precise de um diploma. Qualquer um pode ser um jornalista. Nós [do Comitê de Proteção aos Jornalistas] defendemos os direitos dos jornalistas profissionais, dos freelancers e dos jornalistas cidadãos.

Os blogueiros podem ser considerados automaticamente jornalistas?

Blogueiros podem ser jornalistas. Nós usamos o bom senso para julgá-los [se podem ou não serem considerados jornalistas], se assim o quiserem. Quando estamos diante desta questão, avaliamos o blog desta pessoa. Lemos o blog no idioma original. Analisamos o contexto, como foi escrito, e julgamos a função do blog. Quase sempre chegamos a uma decisão.
Nem todos os blogs fazem jornalismo. Mas existem vários que são absolutamente jornalísticos, que condizem com o que nós entendemos por jornalismo e cujos autores têm direito de serem defendidos pelo Comitê.

Em 2009, você disse que os blogueiros encontram-se “no topo da revolução online”. Eles formam também a ápice do jornalismo moderno?

Naquela época, os blogueiros eram o centro das atenções porque o blog era o meio mais importante pelo qual a população podia ativamente participar do jornalismo. Hoje já estamos, de novo, um passo adiante. Hoje existe o Twitter, o Facebook, o Youtube e outros meios. É um processo contínuo.
A revolução online institucionaliza a habilidade da população de se engajar no jornalismo. Ela institucionaliza a capacidade [dos não profissionais] de disseminar conhecimento e escolher para qual público vai escrever o que pensa e vê. Mas estes jornalistas cidadãos não substituem profissionais com formação e experiência em meios de comunicação e investigação.
Nós precisamos de jornalistas profissionais. Eles podem se complementar com os jornalistas cidadãos. Nós lucramos quando precisamos lidar com novas fontes e métodos de coletar ou disseminar informação.

No seu censo de 2010, você documentou 145 casos de detenção de jornalistas. Deles, 69 eram jornalistas da mídia online, a maioria era blogueiros. Até que ponto a revolução online muda o trabalho do Comitê de Proteção aos Jornalistas, que luta no mundo todo pelo direito dos jornalistas de reportar sem medo?

Observe atentamente os casos. Quase todos os blogueiros detidos estão nas prisões por terem representado uma opinião. Eles escreveram comentários. Em sociedades opressivas, não existem canais oficiais pelos quais se poderiam expressar opinião ou criticar o governo. Portando os afetados [pela repressão] optaram por blogs ou outras mídias sociais. Os governos atingidos perceberam rapidamente que os novos jornalistas cidadãos eram uma ameaça para eles e reagiram.
China e Irã são excelentes exemplos. São os países que mais aprisionam jornalistas no mundo. O fato é que os governos se sentem ameaçados pela crescente habilidade das pessoas de coletar e disseminar informação em sociedades reprimidas. Nos últimos meses, pudemos acompanhar isso no norte da África e no Oriente Médio. Para defender seus interesses, os governos reagiram às ameaças sempre com novas represálias.

Quem melhor pode relatar sobre a violação de direitos humanos: um jornalista cidadão, como blogueiro, ou um jornalista profissional apoiado por um grande meio de comunicação?

Acredito que um reforça o outro. Os blogueiros alcançam quase sempre um publico mais selecionado. Chegam aos leitores que se interessam pelo tema abordado. Se compararmos, os meios de comunicação tradicionais alcançam a grande massa; são predominantemente destinados ao público em geral.
O trabalho do blogueiro, ou dos outros jornalistas cidadãos nas redes sociais, estimula o trabalho dos profissionais e da mídia. Estes podem publicar a situação para um público ainda maior.
A capacidade dos jornalistas cidadãos de se infiltrar no que está acontecendo, documentar secretamente a situação e depois publicar as informações é uma nova ferramenta de incalculável valor para os meios de comunicação profissionais. O jornalismo feito por cidadãos não profissionais melhora e reforça o jornalismo profissional dos meios tradicionais de comunicação.

Jornalista é necessário

Joel Simon encerra a entrevista dizendo: "Mais do que nunca, este mundo precisa de nós jornalistas". Ele acrescenta que os jornalistas têm um papel indispensável: "Embora eu também acredite que as forças obscuras como os governos opressores, os bandos criminosos e os grupos radicais farão de tudo para prejudicar o trabalho dos jornalistas".

Joel Simon dirige o Comitê de Proteção aos Jornalistas, fundado em 1981. Sediado em Nova York, a organização luta pela liberdade de imprensa, engajando-se pelos direitos dos jornalistas de fazer suas reportagens sem medo. O diretor também escreve regularmente como especialista em mídia para o New York Times, para o jornal Washington Post, a Columbia Journalism Review e para o World Policy Journal.
Entrevista: Sandra Petersmann (br)
Revisão: Carlos Albuquerque

segunda-feira, 20 de junho de 2011

A GUERRA PELA AMAZÔNIA

                  O texto abaixo, fruto de uma entrevista realizada pelo jornalista, escritor e livre-pesquisador amazônico Ray Cunha, é assunto que deveria ocupar as meditações de quantos se importam pelo presente e futuro desta Região.

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“A Amazônia será ocupada. Por nós, ou por uma ou mais potências estrangeiras”

RAY CUNHA
raycunha@gmail.com
 
O problema crucial da Amazônia é que ela ainda não foi devidamente ocupada pelos brasileiros. Por isso, ledo engano é supor que a região pertence de fato ao Brasil. Será, sim, do Brasil, quando for desenvolvida por nós e devidamente guardada. Daí porque às potências estrangeiras não interessa o desenvolvimento da Amazônia. Aos Estados Unidos, Inglaterra, Japão e China, principalmente, interessa manter os cartéis agrícola e de minerais e metais. Dois exemplos: a soja da fronteira agrícola ameaça a soja americana; e a exploração dos fabulosos veios auríferos da Amazônia poriam em cheque as reservas similares americanas e poderia mergulhar ainda mais o gigante em recessão.
Assim, despovoada, sub-explorada e subdesenvolvida, não há grandes problemas para a ocupação estrangeira da região. Por exemplo: a reserva Ianomâmi – etnia que seria forjada pelos ingleses -, do tamanho de Portugal e na tríplice fronteira, em litígio, Brasil, Venezuela e Guiana, é a maior e mais rica província mineral do planeta. Pois bem, já há manifestação na Organização das Nações Unidas (ONU) de torná-la nação independente do Brasil.
É disso que trata esta entrevista que fiz com Gelio Fregapani, em fevereiro de 2005, mas que, como se verá, continua atual. Gelio Fregapani foi o mentor da Doutrina Brasileira de Guerra na Selva. Para atingir a capacidade de iniciativa de tal magnitude, ele já esteve em praticamente todos os locais habitados e muitos dos desabitados da Amazônia, inclusive a selva, aquela que poucos conhecem e que nem uma hecatombe nuclear destruiria. Fala também mais de uma língua indígena.
Fregapani já conduziu geólogos a lugares ínvios, chefiou expedições militares e coordenou expedições científicas às serras do extremo norte e onde dormem as maiores jazidas minerais da Terra. Desenvolveu também métodos profiláticos para evitar doenças tropicais, tendo saneado as minas do Pitinga e a região da hidrelétrica de Cachoeira Porteira. Coronel do Exército, serviu à força durante quatro décadas, quase sempre ligado à Amazônia, tendo fundado e comandado o Centro de Instrução de Guerra na Selva. Há mais de três décadas, vem observando a atuação estrangeira na Amazônia, o que o levou a escrever Amazônia - A grande cobiça internacional (Thesaurus Editora, Brasília, 2000, 166 páginas), apenas um título de sua bibliografia.
Para Fregapani, a vocação da Amazônia, além da produção de metais, é a silvicultura. “Se nós plantarmos 7 milhões de hectares de dendê na Amazônia, extrairemos 8 milhões de barris de biodiesel por dia, o que equivale à produção atual de petróleo da Arábia Saudita” – disse ele, em 2005. Fregapani não descarta guerra pela ocupação da Amazônia. “A Amazônia será ocupada. Por nós ou por outros” – adverte.
Esta entrevista foi publicada inicialmente na coluna Enfoque Amazônico, que eu assinei durante meia década no portal ABC Politiko (www.abcpolitiko.com.br). Imediatamente à sua publicação, dezenas de sites e blogs a replicaram. Muitos concordavam com Gelio Fregapani; outros, discordavam. Mas uma coisa é certa: Fregapani nos oferece, nesta entrevista, uma visão que pulveriza qualquer romantismo sobre a Hileia. Vamos à entrevista.
Assassinatos no interior do Pará tornaram-se banais. Por que a região está convulsionada?
Vou me arriscar a fazer um pequeno comentário sobre o Pará, mas friso que não sou nenhum especialista na área, que não é da minha especial atenção. Acontece que aquela área é limite da expansão agrícola, que vai continuar, primeiro, pela exploração madeireira; depois, de gado; e depois, de agricultura. Os Estados Unidos preocupam-se especialmente com a tomada do mercado deles de soja. Nós produzimos soja mais barata do que eles, pela nossa quantidade de água, de terras baratas e de insolação. Então, fazem todo o possível para prejudicar-nos. Pessoalmente, estou convencido de que eles introduziram – não quero dizer o governo deles; talvez as companhias deles – a ferrugem da soja e usam o meio ambiente como uma forma de travar o nosso progresso. Nesse uso do meio ambiente se inclui a corrupção existente em alguns dos nossos órgãos; o idealismo, tolo, de algumas das nossas entidades que querem deixar a mata intocada e o nosso povo sem emprego; e, principalmente, a atuação, nefasta, de várias ONGs, como a WWF (Wold Wildlife Found). Eu acredito que nesse contexto muito desses conflitos são provocados por interesses externos. Se o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) fizesse corretamente seu papel e se as reintegrações de posse fossem cumpridas certamente não haveria muitos desses conflitos. É claro que pouca gente vê perder-se o resultado do esforço de toda sua vida sem reagir. E quando a Justiça não atende, algumas pessoas farão justiça com as próprias mãos.
Qual é a maneira legítima de ocupação da Amazônia?
A Amazônia será ocupada. Por nós, ou por outros. Numa humanidade em expansão, com uma série de terras superpovoadas, uma terra despovoada e habitável, ela será ocupada. Por quem? Nós temos, legitimamente, a posse, mas essa legitimidade não nos garante o futuro. Se nós não ocuparmos a Amazônia, alguém a ocupará. Se nós não a utilizarmos, alguém vai utilizá-la. Portanto a questão é: devemos ocupá-la, ou não? Nós somos brasileiros, então devemos ocupá-la. Se nós nos achamos cidadãos do mundo, então podemos permitir a ocupação por outros. Como ocupar? Estávamos falando da área do Pará que é a periferia da selva. Essa história de Amazônia Legal é uma falácia, feita para incluir nos benefícios da Amazônia algo que não tem nada a ver com a Amazônia real, que é aquela selva que nós todos conhecemos. Nessa periferia está a agricultura. Então, ela será ocupada, fatalmente, pela agricultura, até para alimentar o mundo. Os madeireiros não fazem o mal à selva que os ambientalistas falam. Os madeireiros pegam espécies selecionadas, que interessam ao mercado. É claro que eles abrem picadas para chegar até essas árvores, mas isso não faz dano à floresta, porque há milhões de pequenas árvores, chamadas de filhotes, que estão lá, há muitos anos, esperando uma chance de chegar ao sol para poder crescer. Quando uma árvore é abatida, aqueles filhotes que estão em redor crescem numa velocidade espantosa, na disputa para ver qual dos indivíduos vai substituir a árvore que foi abatida. Isso não altera em nada a floresta. Mas a fronteira pioneira vai avançando. Nessas trilhas, irão colonos, que procurarão fazer um corte para colocar o gado. Isso faz com que o Brasil tenha o maior rebanho de gado fora da Índia, e que abastece o mundo de carne. Há quem ache ruim. Há quem queira as árvores e não o gado. Depois, pela valorização, essas terras serão usadas pela agricultura. Essa é a forma natural de ocupação, embora lenta, pois precisamos ocupar a Amazônia de uma forma mais veloz. Contudo, tanto o gado como a agricultura, não poderão ficar na área de floresta mesmo. Não porque os ambientalistas querem. É porque a floresta não deixa. Na floresta, fora dessa área de transição, de periferia, na floresta úmida, real, as árvores crescem com uma rapidez incrível. Primeiro vem uma árvore pioneira, a imbaúba, e sob a sombra da imbaúba cresce a verdadeira floresta. Em dois anos, as imbaúbas já estão com mais de 40 metros. Então, não é possível uma agricultura, como nós a concebemos no Sul, ou no Hemisfério Norte, porque a floresta não deixa. O correto seria a silvicultura, ou seja, a substituição de árvores por outras árvores. Muitas outras árvores são interessantes para substituir aquelas árvores de menos valor. A castanheira, a seringueira... mas, no momento, o que chama atenção, mesmo, é o dendê.
Dendê?
As reservas de petróleo estão diminuindo no mundo e o consumo está aumentando. Vai chegar um momento que o uso de petróleo será inviável. Eu não estou dizendo que o petróleo vai acabar. Sempre vai sobrar um pouco, ou um achado novo, mais fundo, mas o uso do petróleo, como fazemos atualmente, está com seus dias contados. Além do mais, os Estados Unidos estão procurando tomar conta de todas as jazidas que existem no mundo e alguns países estão realmente preocupados com isso. A Alemanha, que já sabe muito bem o que é falta de energia, um bloqueio, está plantando canola para substituir diesel, e já tem alguns milhares de postos fornecendo biodiesel aos consumidores. A canola produz por hectare 20 vezes menos do que o dendê, que precisa só de calor, sol e água. Exatamente o que abunda na Amazônia. Se nós plantarmos 7 milhões de hectares de dendê na Amazônia, extrairemos 8 milhões de barris de biodiesel por dia, o que equivale à produção atual de petróleo da Arábia Saudita, que tende a declinar. O Japão mandou o seu primeiro ministro ao Brasil para tratar de biodiesel. O Japão não tem um lugarzinho nem para plantar canola. A China tem muito carvão, mas tem pouco petróleo; ela também está reunida com o Brasil, pedindo que o Brasil faça biodiesel. O mundo tem fome de biodiesel. Essa, me parece, que é a melhor ocupação da Amazônia. Sete milhões de hectares plantados seria uma área menor do que a área Ianomâmi. Nós teríamos 200 milhões de hectares plantados, se quiséssemos, produzindo biodiesel. Sete milhões de hectares plantados criarão aproximadamente 6 milhões de empregos. Isso contribuiria para atingir a meta de 10 milhões de empregos do presidente Lula (Luiz Inácio Lula da Silva). Isso tornaria o Brasil rico e começaríamos a ocupar a Amazônia.
Há possibilidade de guerra pela ocupação da Amazônia?
Sabemos que haverá pressões, sabemos que outros tentarão ocupar a Amazônia, sabemos que se nós não a ocuparmos, certamente teremos uma guerra pela ocupação. E guerra que ninguém garante que nós vamos vencer. A necessidade de ocupação da Amazônia é um fato e a melhor forma é deixar prosseguir a fronteira agrícola. E quanto mais perto das serras que separam o Brasil dos países ao norte, melhor. É nítido o desejo dos povos desenvolvidos tomarem conta das serras que separam o Brasil da Venezuela e da Guiana, por dois motivos: para evitar que o Brasil concorra com seus mercados e como reserva futura de matéria-prima. Podemos substituir as árvores nativas pelo dendê e, com isso, conseguiremos tudo o que precisamos. Atenderia a 6 milhões de trabalhadores rurais e acabaria até com o problema dos sem-terra. Essa solução é tão vantajosa para o Brasil que para mim é incompreensível que isso não esteja com destaque na grande mídia, não esteja na discussão de todos os brasileiros, embora eu tenha consciência que está na discussão dos ministros e do presidente.
A quem interessa a grita dos ambientalistas na Amazônia?
Há três países especialmente interessados nisso: os Estados Unidos, a Inglaterra e a Holanda. Eles têm coadjuvantes: França, Alemanha e outros; até mesmo a Rússia já se meteu, no tempo de Gorbachev. Mas o interesse dos Estados Unidos é mais profundo. Se nós explorarmos o ouro abundante da Amazônia, vai cair o preço do ouro, e isso vai diminuir o valor das reservas dos Estados Unidos, onde está certamente a maior parte do ouro governamental do mundo. Isso seria um baque para os Estados Unidos, talvez pior do que perderem o petróleo da Arábia Saudita. A Inglaterra, não é de hoje, sempre meteu o bedelho nessas coisas. A Holanda, que é o país que mais modificou seu meio ambiente, tendo retirado seu território do mar, também tem umas manias loucas em função do meio ambiente. A grita ambientalista atende principalmente aos Estados Unidos, para cortar a exploração do ouro, e também para não atrapalhar seu mercado de soja. À Inglaterra interessa o estanho, mercado que sempre dominou. Uma só jazida de estanho na Amazônia, do Pitinga, quebrou o cartel do estanho, fazendo despencar o preço de US$ 15 mil a tonelada para menos de US$ 3 mil. Agora está em US$ 7.500, mas não voltou aos US$ 15 mil, por causa de uma única jazida. Reconheço que há ambientalistas sinceros, que acreditam nessas falácias, nessas mentiras, ostensivas, como a de que a Amazônia é o pulmão do mundo e que os pólos estão derretendo por causa disso e por causa daquilo. Os pólos estão derretendo porque ciclicamente derretem e se alguma coisa influi nisso são os países industrializados.
A abertura de estradas na Amazônia é necessária?
Quando foi aberta a Belém-Brasília, a Amazônia era como se estivesse noutro continente. Nós poderíamos chegar lá, sem dúvida, de navio ou de avião. A Belém-Brasília rasgou apenas 600 quilômetros de selva, mas essa área já está povoada, é definitivamente nossa. Tem conflitos, mas tem riquezas, tem um rebanho enorme e começa a produzir alimentos vegetais. A Transamazônica não teve o mesmo sucesso porque devia ter sido construída por etapas. A estrada especialmente estratégica, que garantiria para o Brasil a posse da Amazônia, que seria a Perimetral Norte, não saiu do papel. Mas somente estradas podem povoar a Amazônia. Elas terão que ser abertas.
Quais são os pontos específicos da Amazônia que interessam às potências estrangeiras?
As serras que separam o Brasil da Venezuela e da Guiana, e um pouquinho da Colômbia. Lá é que estão as principais jazidas e minerais do mundo. É lá que eles forçam para a criação de nações indígenas e, quem sabe, vão forçar depois a separação dessas nações indígenas do Brasil. Um segundo ponto é a orla da floresta, essa transição da floresta para o cerrado, perfeitamente apta à agricultura. Isso entra em choque com os interesses agrícolas dos Estados Unidos. O interior real da floresta, esse é desabitado, desconhecido e é mais falado pelos ambientalistas sinceros, mas ignorantes, aqueles que julgam que a floresta tem que ser preservada na sua totalidade, mesmo que o povo brasileiro fique desempregado, faminto e submisso às potências, que construíram o seu progresso modificando o meio ambiente. Não há como haver progresso sem modificar o meio ambiente. Nós temos, às vezes, algumas falácias nisso. Os ambientalistas não querem que se construa barragens nem que se faça irrigação. Não existe desperdício maior do que o rio jogar água no mar. O ideal é que a água fosse usada toda aqui dentro.
Trafica-se animais, plantas e até sangue de índio da Amazônia.
A Rússia tem aquela imensidão da Sibéria, quase despovoada, inabitável mesmo, e com muito menos animais do que pode conter a floresta amazônica. E, para ela, é uma imensa riqueza a exploração de peles. Naturalmente, os ribeirinhos têm que caçar. Os animais são desperdiçados por leis ambientais erradas. Esses animais acabam sendo levados para países vizinhos e de lá são exportados. O que nós teríamos que fazer é uma regulamentação e não uma proibição. Quanto à história de sangue de índio, até onde eu saiba, andaram aí coletando para fazer pesquisas. O que querem com essas pesquisas? Não é prático, no meu entender, coletar sangue para contrabandeá-lo. Quanto à exploração de espécies vegetais, ou à biopirataria, eu também não me assusto muito com isso, porque, uma vez que se vê que uma planta cure alguma coisa, vai se procurar o princípio ativo e produzi-lo sinteticamente. A pesquisa disso, no meu entender, traria bem para a humanidade. Se bem que eu gostaria que nós fizéssemos isso e não que os estrangeiros patenteiem e depois queiram vender para nós. Esses aspectos são mais emocionais e direcionados para que a gente não explore nada.
É verdade que a população indígena foi reduzida drasticamente desde o descobrimento do Brasil?
Mais de 30 milhões de brasileiros que se consideram brancos têm sangue indígena. Temos, portanto, mais de 30 milhões de descendentes de indígenas. Se considerarmos que havia 3 milhões de indígenas na chegada de Cabral e se há 30 milhões de seus descendentes entre os que se consideram brancos nós vemos que a população indígena não foi reduzida; foi ampliada. O que certamente acontecerá não é a eliminação do índio; é a eliminação de suas sociedades, por serem anacrônicas. A sociedade medieval já acabou. A sociedade dos samurais também. A sociedade dos mandarins também. Por que tem de ser mantida uma sociedade que não cabe no mundo moderno? Os valores tribais não são facilmente aceitos por pessoas evoluídas. Canibalismo pode ser aceito? Sinceramente, no meu entender, não. O assassinato de filhos, como cultura, não como delito, pode ser aceito? Isso não é compreensivo para mim. A nossa ingenuidade talvez nos leve a achar que devemos preservar a mata nativa e deixar o povo com fome.
Os ianomâmis são uma nação verdadeira ou forjada?
Absolutamente forjada. São quatro grupos distintos, linguisticamente, etnicamente e, por vezes, hostis entre eles. A criação dos ianomâmis foi uma manobra muito bem conduzida pela WWF com a criação do Parque Ianomâmi para, certamente, criar uma nação que se separe do Brasil. O Parque Ianomâmi é uma região do tamanho de Portugal, ou de Santa Catarina, onde, segundo afirmação da Funai (Fundação Nacional do Índio) há 10 mil índios. A Força Aérea, que andou levando o pessoal para vacinação, viu que os índios não passam de 3 mil. Ainda que fossem 10 mil, há motivo para se deixar a área mais rica do país virtualmente interditada ao Brasil? O esforço deveria ser no sentido de integrá-los na comunidade nacional. Nenhuma epidemia vai deixar de atingir índios isolados. A única salvação, nesse caso, é a ciência médica. A área ianomâmi é imensa e riquíssima, está na fronteira e há outra área ianomâmi, similar, no lado da Venezuela. Então, está tudo pronto para a criação de uma nação. Um desses pretensos líderes, orientado naturalmente pelos falsos missionários americanos, Davi Ianomâmi, já andou pedindo na ONU uma nação, e a ONU andou fazendo uma declaração de que os índios podem ter a nação que quiserem. No discurso de Davi, ele teria dito que querem proteção contra os colonos brasileiros, que os querem exterminar.
Qual é a grande vocação da Amazônia?
Duas. Uma é a mineração. E a outra é a silvicultura. Particularmente a silvicultura do dendê, que, certamente, vai suprir o mundo de combustível em substituição ao petróleo. Em menos de duas décadas, o biodiesel e o álcool terão substituído o diesel e o petróleo em quase todo o mundo. Lugar algum oferece melhores condições para essa produção do que a Amazônia.
E o turismo?
É um pequeno paliativo. Não é suficiente para desenvolver a Amazônia. A Amazônia nunca será uma Suíça, uma Espanha...
A falta de ocupação da Amazônia é, então, o grande problema da região?
É o grande problema do Brasil. A Amazônia será ocupada, de um jeito ou de outro. Por nós ou por outros. A solução da ocupação não é para a Amazônia, é para o nosso país, se quisermos ter a Amazônia.