Uma ideia asnática
20 de fevereiro de 2012 6
É inacreditável a criatividade de quem, em nome de
causas supostamente nobres e elevadas, preconiza restrições à liberdade de
imprensa. Um subgrupo da comissão especial criada no Senado para apresentar um
projeto de reforma do Código Penal, segundo noticiou o jornal O Globo, está
propondo introduzir no projeto uma cláusula que estabeleça que um suposto
"abuso da imprensa" na cobertura de um crime poderá ser considerado
atenuante, para reduzir em até um sexto a pena do condenado. A justificativa
consegue ser ainda mais asnática: seria uma "compensação" ao
criminoso por eventuais excessos dos meios de comunicação.
Não resta dúvida de que, em função de seu enorme
apelo popular, crimes, especialmente de morte, que ocorrem em circunstâncias
particularmente singulares, costumam ser um prato cheio para os veículos de
comunicação, principalmente aqueles que exploram a miséria humana para
alavancar tiragens e índices de audiência.
Veículos de comunicação que vivem de forçar os
limites da legalidade existem no mundo inteiro. Poucos meses atrás, em Londres,
o centenário tabloide News of the World, do magnata da comunicação Rupert
Murdoch, viu-se obrigado a deixar de circular, acuado por denúncias de
comportamento criminoso na produção de matérias sensacionalistas. É um exemplo
extremo que não honra o verdadeiro jornalismo. Mas nem por isso os ingleses
cogitaram de medidas de cerceamento à liberdade de imprensa.
No Brasil, o grupo mais radical do PT, apesar de
reiteradamente desautorizado pela atual chefe do governo, não se cansa de
preconizar o "controle social da mídia", que recentemente, com mais
cautela, passou a chamar de "democratização dos meios de
comunicação".
E esse novo episódio revela que também no Poder
Judiciário e nos meios jurídicos há ouvidos sensíveis a essa pregação
autoritária - ou à conveniência política de prestar atenção à direção em que o
vento sopra -, pois a ideia de compensar o prejuízo que abusos da mídia
eventualmente tenham causado à imagem de criminosos condenados partiu de uma
subcomissão de quatro especialistas que está estudando a Parte Geral do novo
código: um advogado criminal, um promotor de Justiça, um jurista e um
desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Falando em nome do
grupo, este último garantiu que a proposta não tem nada a ver com censura.
Trata-se apenas de uma compensação moral à vítima dos "excessos da
imprensa".
No relatório já apresentado pelo subgrupo está
consignado: "O que se quer afirmar é que, por vezes, se verifica que a
condenação do autor da infração penal se fez em escala bem menor àquela (sic)
atingida pela divulgação dos fatos, notadamente quando com evidente abuso a
ponto de afrontar a dignidade da pessoa humana".
Assim, como a pena a que um réu venha a ser
condenado poderá não ter para ele "consequências tão dramáticas e trágicas
quanto aquelas produzidas pela divulgação abusiva dos fatos (...) minimizar a
sanção penal é uma forma de compensação".
O magistrado fluminense e os outros três ilustres
especialistas certamente têm conhecimento de que o Código Penal em vigor define
os crimes e comina penas para calúnia, difamação e injúria. E de que até os
réus de outros crimes podem se apresentar como vítimas desses três.
A propósito, o deputado Alessandro Molon (PT-RJ),
membro da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, manifestou-se contra a
ideia da redução de pena com o argumento óbvio de que, tal como qualquer
cidadão, se o réu ou o condenado entender que foi vítima de excessos e abusos
da imprensa, pode acionar a Justiça e entrar com uma ação de danos morais.
Felizmente, a obtusa sugestão do grupo dos quatro
tem provocado um grande número de reações negativas no Congresso Nacional.
Também já se manifestou contra a esdrúxula proposta o próprio presidente da
comissão especial, o ministro Gilson Dipp, do Superior Tribunal de Justiça.
Coube ao deputado Miro Teixeira resumir a questão: "É uma ideia
medieval".